Historiador Francisco Carlos Teixeira, professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisa os “mass murder” nas escolas americanas.
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Neste contexto – como também dos assassinatos de massa na Noruega e na Alemanha – os “especialistas” trataram de construir, rapidamente, análises e perfis “pessoais”, buscando descobrir o que, na personalidade do perpetrador, originou os ataques. Assim, uma “cliniquização” ( ou uma explicação psicologizante ) do atacante – família desfeita, distúrbios mentais, uso de drogas – é imediatamente aventada. Embora, paradoxalmente, os próprios colegas digam que eram “excêntricos” talvez, mas não mais do que boa parte do alunado – e que não mata colegas!
Assim, a sociedade e suas instituições, em especial as escolas, seriam poupadas de quaisquer responsabilidades na irrupção de um surto psicótico na pessoa do atacante. Em suma, estaríamos verdadeiramente buscando as respostas certas no lugar/pessoas certas? Ou, num movimento rápido de ocultamente do massacre que se passa nas escolas, estaríamos ocultando a dimensão social dos “mass murder” e de seus íntimos imbricamentos com o clima mental e emocional existente nas escolas?
É comum ouvirmos, e depois de 38 anos de magistério pude, eu mesmo, vivenciar e acompanhar casos seguidos de stress coletivo, cólera, mágoas e ira entre alunos e seus colegas, professores e alunos, bem como professores e seus colegas, funcionários e, até mesmo, pais e professores. Algumas vezes, incluindo o Brasil, com desdobramentos de violência física.
Não seria o caso de pensarmos a instituição escolar em seu conjunto? E isso seria muito especialmente verdadeiro para o caso norte-americano.
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Um massacre oculto
Desde o ataque de Columbine High School (que não foi nem o primeiro e nem o mais letal dos ataques) até o atual ataque em Sandy Hook, as escolas são palco, alvo e/ou causação de súbitas explosões de raiva e ira. Sabemos todos – e isso não é um apanágio dos Estados Unidos – a escola, mesmo com escolas de ensino básico, e particularmente nas escolas para adolescentes – como as chamadas “High school” norte-americnas – são lugares onde o assédio moral, social (e mesmo sexual) pode ser intenso, cruel e, mesmo, levar a uma aniquilação do próprio eu de indivíduos mais fragilizados por sua aparência física, opção de gênero, timidez ou qualquer outro atributo pessoal correlacionado com uma vaga e cruel categoria de “losers”, os perdedores na “corrida” social pelo sucesso.
Nem sempre os professores e os profissionais de apoio e orientação – como pedagogos e psicólogos – tem a chance de acompanhar alunos – ou seus parentes – de forma adequada para prever ataques de “mass murder” como os ocorridos. Da mesma forma, não é possível “cliniquizar” todas a sociedade e manter um psicólogo de plantão dentro de cada sala de aula. Assim, tais ataques – malgrado suas particularidades e do seu desenho – não são, e dificilmente poderiam ser, previstos e, logo, prevenidos. Mas, por outro lado, a determinação da polícia de Newtown, Connecticut, em explicar a razão do ataque seja inútil. Poderão explicar, em detalhes, como seu “deu” o ataque. Mas, sua “explicação” escapa a Sandy Hook, em Newtown, Connectcut – há uma razão maior, mas ampla, insidiosa, que paira sobre todo o sistema educacional norte-americano.
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Mass Murder e Política
Wright Mills, num linguagem precisa, insistia que processos que se repetem no conjunto da sociedade e causam enorme dano e dor, mesmo mal-estar social, não podem, de forma alguma, ser atribuídos a motivos ou causas pessoais do tipo preguiça, baixo esforço ou baixa estima, ausência de talento ou incapacidade social ou distúrbios mentais. Bem ao contrário, o quanto de tais “distúrbios” tem origem em processos sociais cruéis e excludentes? Ao seu tempo, Wright Mills combatia o brutal individualismo liberal e o darwinismo social que explicava sucessos e insucessos das pessoas, num a sociedade altamente competitiva, exclusivamente através da “garra” e vontade de vencer de cada um. Colocando-se na contramão dos mitos americanos do “self made men” e da ideia de que todos vencem, se trabalham o suficiente para isso, na América, Mills vislumbrava uma sociedade já atingida por frustrações e pelo mal-estar que podia rapidamente expressar-se em repentinas explosões de ira.
A divisão popular da sociedade entre “pessoas de sucesso” e “losers”, os perdedores, já se expressa, assim, nos primeiros anos de vida e nas primeiras escolhas de jovens adolescentes, em especial num clima de competição – muitas vezes, vezes demais, desleal e cruel – no interior da própria escola. Eleições e concursos frequentes, mobilizações em torno de competições e torneios, o incentivo a mostrar um perfil de vencedor e de celebridade “popular” criam, no conjunto da sociedade, mas em especial na escola, um clima de verdadeira guerra social. O romance, de terror note-se bem, de Stephen King, chamado “Carrie, a estranha”, ambientado numa “high school”, de 1974, consagrou, de forma alegórica, o clima exacerbado e cruel de exclusão das diferenças no sistema educacional norte-americano, a cegueira de mestres e funcionários e o clima de linchamento moral. Quando tais pessoas tem acesso fácil e livre – como Adam Lanza – a um arsenal de armas automáticas são dadas as condições básicas para o desastre.
Mills, com sua delicadeza incisava – bem ao contrário de Stephen King - afirmava: aquilo que se repete e atinge amplas camadas sociais não é um problema “pessoal” e, sim, uma questão social.
A teimosia dos políticos, e dos especialistas americanos, em não discutir a livre venda de armas, a segurança nas escolas e programas de educação que valorizem o trabalho social, os objetivos de equipe e que diminuam as “guerras” entre grupos de “losers” e de “populars” nas escolas é, claramente, parte causal dos massacres.
O recuo, durante a campanha eleitoral de 2012, do Presidente Obama em colocar com clareza a questão da livre venda e porte de armas automáticas – algumas com capacidade de luta em campos de guerra total -mostra uma tremenda e indesculpável rendição perante os mitos da direita conservadora e reacionária norte-americana. Além, é claro, do lucrativo negócio de armas.
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