MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS - BERTOLT BRECHT
"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
Bertolt Brecht
A guerra religiosa dura anos. A juventude é sacrificada nas frentes de batalhas, as cidades são saqueadas por homens famintos e desesperados, enquanto os soldados se entregam a bandeiras sem ter a nítida compreensão do motivo que os fazem odiar e matar.
Logo no início, o diálogo é marcado por argumentos do recrutador e do sargento. Ambos vivem a guerra e a justificam com argumentos contraditórios: “A paz é uma porcaria, só a guerra é que estabelece a ordem. Na paz a humanidade brota que nem espiga. É um desperdício de gente e de gado, assim sem mais nem menos” e “Como tudo que é bom, a guerra também é difícil, no começo. Mas, depois que começa a florescer, ela resiste a tudo; e as pessoas começam a tremer, só de pensar na paz, como os jogadores, que não querem parar, para não terem de fazer as contas do que perderam.”
Mãe Coragem é uma vivandeira e sua carroça atravessa o inverno alemão, acompanhando as tropas e vendendo suprimentos para os sobreviventes desguarnecidos. A mulher vive da guerra rodando o país com os três filhos: Eilif (o mais velho), Queijinho e Kattrin (a filha muda), mas não quer que eles sirvam ao exército.
O sargento mostra a ambigüidade da mulher: “Para você, então, a guerra há de roer os ossos e deixar a carne? Você engorda as suas crias com a guerra, e não quer dar nada em troca? Ele precisa saber de onde vem a comida...” Ainda assim, ela está segura: “Mas os soldados não precisam ser meus filhos.”
Os dois filhos se alistam e a mãe se desespera: “Querem ir para longe da mãe, seus diabos, e meter-se na guerra, como cordeiros na boca do lobo... Oh, mãe desventurada, que pariu com tanta dor: e o filho vai morrer na flor da idade.”
O filho mais velho se destaca pela coragem (ou covardia), ataca os camponeses e saqueia seus pertences, na guerra é homenageado pelas altas patentes por sua bravura, mas na paz é condenado à morte. Não consegue se despedir da mãe e morre sem compreender a diferença que marca os julgamentos das épocas de paz e de guerra.
Queijinho, o filho “tapado, mais honesto”, é fuzilado por ter roubado o cofre do regimento. A mãe diante do corpo é obrigada a fingir que não o reconhece para sobreviver.
Surgem novos personagens e perspectivas, o capelão, o cozinheiro e a prostituta, todos seres desfigurados pela guerra e que convivem com Mãe Coragem ao redor da carroça em alguns períodos da guerra.
Continua a viagem na penúria só com a filha muda e frágil e, quando a deixa em uma casa de camponeses para ir buscar mantimentos na cidade, a filha tem um ato de bravura e bate um tambor em cima do telhado para acordar a cidade e evitar que a população seja pega desprevenida pelo inimigo à espreita. Tomba, mas a cidade desperta e se defende.
Mãe Coragem termina puxando a carroça sozinha e tendo de recomeçar. Um texto teatral forte que destaca o papel das mães com força e determinação, não obstante os contextos históricos em que estão inseridos. A protagonista vivia em função dos horrores da guerra, mas não queria que seus filhos fossem os soldados, termina carregando a carroça sozinha ainda acompanhando os horrores da guerra.
“É primavera. Acorde homem de Deus! A neve se derrete. Estão dormindo os mortos. Que se agüente nos sapatos aquele que não está morto ainda!”
Bertolt Brecht (1898 a 1956), poeta, diretor teatral e dramaturgo alemão, criou novas técnicas e práticas teatrais com a inovação da dramaturgia da época – o teatro épico. O artifício do distanciamento é usado para denunciar a alienação do espectador. Os valores do teatro de Brecht se opõem a noção idealista da consciência como fator determinante da existência. A revolução de Brecht é marxista, é do exterior, pois o homem não é independente dos fatos externos.
No artigo intitulado “A obra clássica intimida”, de 1953, Brecht afirmou: “Não basta exigir ao teatro conhecimentos, imagens elucidativas da realidade. Nosso teatro tem de suscitar o direito de conhecer, tem de fomentar o prazer da transformação da realidade. Os nossos espectadores têm não só de conhecer a maneira como é libertado o Prometeu agrilhoado, mas também de se adestrar no desejo de o libertarem. O teatro tem de nos ensinar a sentir os desejos e prazeres dos inventores e dos descobridores, e, também, o triunfo dos libertadores.”
A peça “Mãe Coragem e seus filhos” foi escrita no período do exílio, em 1941, e é considerada por muitos como a obra prima de Brecht. É uma parábola do papel da pequena burguesia no meio de tempestades políticas. O autor, ao desenhar o perfil da protagonista, encerrou-a na enorme contradição de uma mãe que tem na guerra sua única fonte de receita e que não consegue resguardar seus filhos da realidade em que estão inseridos. Suas atividades lhe conferem um caráter realístico não idealizado, mas não retiram o cunho inexorável da guerra.
Brecht, nos comentários sobre as duas interpretações da Mãe Coragem, afirmou que a personagem “surge-nos principalmente como mãe e, tal como Níobe, não consegue salvar os filhos da fatalidade da guerra.”
A leitura do texto teatral nos abre inúmeras percepções. Analisamos a história e percebemos a impotência diante de um contexto estabelecido e a necessidade de criar novas realidades. O dramaturgo alemão não desejava criar uma obra ilusória em que os espectadores, ao assistirem, ficassem com a sensação de bem estar diante de realidades romanceadas. Sua intenção era causar a indignação, deixar que as pessoas, munidas de senso crítico, concluíssem que o que assistiram não deveria continuar.
Não precisamos apenas das obras literárias para compreender as enormes contradições e incoerências do papel do homem na sociedade. Ao analisarmos nossas vivências, caminharmos nas ruas, assistirmos aos noticiários, percebemos que muita coisa não pode continuar e que devemos sair da passividade de meros espectadores e construir roteiros coerentes com coragem e criatividade.
Precisamos nos perceber como os dramaturgos de nossos personagens. E você, leitor, já começou a elaborar o enredo de sua história?
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."
Bertolt Brecht
A guerra religiosa dura anos. A juventude é sacrificada nas frentes de batalhas, as cidades são saqueadas por homens famintos e desesperados, enquanto os soldados se entregam a bandeiras sem ter a nítida compreensão do motivo que os fazem odiar e matar.
Logo no início, o diálogo é marcado por argumentos do recrutador e do sargento. Ambos vivem a guerra e a justificam com argumentos contraditórios: “A paz é uma porcaria, só a guerra é que estabelece a ordem. Na paz a humanidade brota que nem espiga. É um desperdício de gente e de gado, assim sem mais nem menos” e “Como tudo que é bom, a guerra também é difícil, no começo. Mas, depois que começa a florescer, ela resiste a tudo; e as pessoas começam a tremer, só de pensar na paz, como os jogadores, que não querem parar, para não terem de fazer as contas do que perderam.”
Mãe Coragem é uma vivandeira e sua carroça atravessa o inverno alemão, acompanhando as tropas e vendendo suprimentos para os sobreviventes desguarnecidos. A mulher vive da guerra rodando o país com os três filhos: Eilif (o mais velho), Queijinho e Kattrin (a filha muda), mas não quer que eles sirvam ao exército.
O sargento mostra a ambigüidade da mulher: “Para você, então, a guerra há de roer os ossos e deixar a carne? Você engorda as suas crias com a guerra, e não quer dar nada em troca? Ele precisa saber de onde vem a comida...” Ainda assim, ela está segura: “Mas os soldados não precisam ser meus filhos.”
Os dois filhos se alistam e a mãe se desespera: “Querem ir para longe da mãe, seus diabos, e meter-se na guerra, como cordeiros na boca do lobo... Oh, mãe desventurada, que pariu com tanta dor: e o filho vai morrer na flor da idade.”
O filho mais velho se destaca pela coragem (ou covardia), ataca os camponeses e saqueia seus pertences, na guerra é homenageado pelas altas patentes por sua bravura, mas na paz é condenado à morte. Não consegue se despedir da mãe e morre sem compreender a diferença que marca os julgamentos das épocas de paz e de guerra.
Queijinho, o filho “tapado, mais honesto”, é fuzilado por ter roubado o cofre do regimento. A mãe diante do corpo é obrigada a fingir que não o reconhece para sobreviver.
Surgem novos personagens e perspectivas, o capelão, o cozinheiro e a prostituta, todos seres desfigurados pela guerra e que convivem com Mãe Coragem ao redor da carroça em alguns períodos da guerra.
Continua a viagem na penúria só com a filha muda e frágil e, quando a deixa em uma casa de camponeses para ir buscar mantimentos na cidade, a filha tem um ato de bravura e bate um tambor em cima do telhado para acordar a cidade e evitar que a população seja pega desprevenida pelo inimigo à espreita. Tomba, mas a cidade desperta e se defende.
Mãe Coragem termina puxando a carroça sozinha e tendo de recomeçar. Um texto teatral forte que destaca o papel das mães com força e determinação, não obstante os contextos históricos em que estão inseridos. A protagonista vivia em função dos horrores da guerra, mas não queria que seus filhos fossem os soldados, termina carregando a carroça sozinha ainda acompanhando os horrores da guerra.
“É primavera. Acorde homem de Deus! A neve se derrete. Estão dormindo os mortos. Que se agüente nos sapatos aquele que não está morto ainda!”
Bertolt Brecht (1898 a 1956), poeta, diretor teatral e dramaturgo alemão, criou novas técnicas e práticas teatrais com a inovação da dramaturgia da época – o teatro épico. O artifício do distanciamento é usado para denunciar a alienação do espectador. Os valores do teatro de Brecht se opõem a noção idealista da consciência como fator determinante da existência. A revolução de Brecht é marxista, é do exterior, pois o homem não é independente dos fatos externos.
No artigo intitulado “A obra clássica intimida”, de 1953, Brecht afirmou: “Não basta exigir ao teatro conhecimentos, imagens elucidativas da realidade. Nosso teatro tem de suscitar o direito de conhecer, tem de fomentar o prazer da transformação da realidade. Os nossos espectadores têm não só de conhecer a maneira como é libertado o Prometeu agrilhoado, mas também de se adestrar no desejo de o libertarem. O teatro tem de nos ensinar a sentir os desejos e prazeres dos inventores e dos descobridores, e, também, o triunfo dos libertadores.”
A peça “Mãe Coragem e seus filhos” foi escrita no período do exílio, em 1941, e é considerada por muitos como a obra prima de Brecht. É uma parábola do papel da pequena burguesia no meio de tempestades políticas. O autor, ao desenhar o perfil da protagonista, encerrou-a na enorme contradição de uma mãe que tem na guerra sua única fonte de receita e que não consegue resguardar seus filhos da realidade em que estão inseridos. Suas atividades lhe conferem um caráter realístico não idealizado, mas não retiram o cunho inexorável da guerra.
Brecht, nos comentários sobre as duas interpretações da Mãe Coragem, afirmou que a personagem “surge-nos principalmente como mãe e, tal como Níobe, não consegue salvar os filhos da fatalidade da guerra.”
A leitura do texto teatral nos abre inúmeras percepções. Analisamos a história e percebemos a impotência diante de um contexto estabelecido e a necessidade de criar novas realidades. O dramaturgo alemão não desejava criar uma obra ilusória em que os espectadores, ao assistirem, ficassem com a sensação de bem estar diante de realidades romanceadas. Sua intenção era causar a indignação, deixar que as pessoas, munidas de senso crítico, concluíssem que o que assistiram não deveria continuar.
Não precisamos apenas das obras literárias para compreender as enormes contradições e incoerências do papel do homem na sociedade. Ao analisarmos nossas vivências, caminharmos nas ruas, assistirmos aos noticiários, percebemos que muita coisa não pode continuar e que devemos sair da passividade de meros espectadores e construir roteiros coerentes com coragem e criatividade.
Precisamos nos perceber como os dramaturgos de nossos personagens. E você, leitor, já começou a elaborar o enredo de sua história?
Helena Sut
Publicado no Recanto das Letras em 25/01/2005
Código do texto: T2385
Com a devida vénia retirado daqui:
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